Aos meus 47 anos ainda não tinha o conhecimento literal desta palavra. Nesses dias eu broncoaspirei, perdi todos os meus sentidos e acordei em um hospital. Lá, fizeram um exame que eu não poderia comer pela boca e eu estava com pneumonia. Fiquei dez dias no hospital e me davam 200 ml de água por dia. Claro que eu tinha dieta líquida via gastro direto no estômago. Não era a mesma coisa que comer pela boca.
Quando acordava de manhã eu já sabia que não ia comer nada o dia inteiro. Sentia muita fome e falta de mobilidade e a afonía persistiam. Minha esposa e meu irmão ficavam comigo. Minhas filhas e enfermeira Evelyn também ajudaram. A fome é algo indescritível. Só quem já sentiu pode falar alguma coisa. Em casa também já senti fome. Talvez seja pior pois sei que a geladeira e o armário estão cheios. E não gosto de ficar pedindo.
No andar de baixo da minha casa, o meu quarto fica do lado da sala, onde se tem uma mesa para fazer refeições. Apesar de ter o nariz trancado, eu sinto um pouco de cheiro. A escuta também não foi alterada. Assim, eu escuto talheres e abertura de refrigerantes. Tem um vizinho que faz churrasco na hora do almoço todo domingo. Eu adoro churrasco!
Teve um dia que, minha filha Julia, assou um pão. O cheiro invadiu toda a casa. Era um cheiro tão forte que tive muita vontade de comer. Eu adoro pão caseiro! Até hoje não sei por que eu não consigo engolir. Mastigar é um processo muito difícil para mim pois a comida fica na boca e eu não consigo movê-la dentro da boca. Uma coisa que deveria ser tão prazerosa e natural torna-se um martírio pra mim.
Eu não sabia, mas comer era uma atividade que apreciava muito. Há dois finais de anos que eu decidi ficar em casa para não passar vontade na ceia. Tudo em vão, pois minha mãe trazia comida, junto do meu pai e irmãos, e o cheiro característico pairava no ar, sem poder comer uma lasca do que é feito. Sempre comi bem nas festas de fim de ano. Com certeza, a intenção era de eu estar junto, mas saber e ouvir que todos estão comendo e bebendo coisas que eu gostaria de estar comendo e bebendo. Eu já tentei explicar, mas ninguém entende.
Como eu tenho LIS, eu não me alimento sozinho e recebo comida na boca. Geralmente minha esposa ou minha mãe ou a enfermeira de plantão me dão. Minha filha Letícia também me dá, minha filha Julia não tem coragem. Minha comida é feita por minha mãe todos os dias. A comida é pastosa, para não me engasgar e geralmente me é dada de colher média. Esses dias, vi um garfo e achei super estranho.
A comida passa direto pela boca, Amasso um pouco com o céu da boca e a comida desce para o estômago. De manhã, eu tomo café com leite com espessante. O espessante engrossa o líquido que me permite degustar um café que eu adoro! Antes do café minha esposa molha uns biscoitos no café e me dá. O biscoito derrete na minha boca e fica fácil engolir. Esta degustação é muito prazerosa pois é o único momento em que sinto meu corpo responder a um estímulo. Desta maneira, eu me alimento na parte da manhã. O que me deixa extremamente satisfeito.
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