DE REPENTE, LIS

A vida de Jefferson Silva diagnosticado com a Síndrome do Homem Encarcerado ou Locked In Syndrome (termo em inglês mundialmente conhecido pela sigla LIS)


Comunicação

Minha respiração  é fraquíssima. Para se ter uma ideia, eu não consigo apagar uma vela com um sopro. E não controlo minha respiração, por exemplo, eu não consigo parar de inspirar, intencionalmente.  Meu nariz está bloqueado. Eu não consigo comer e respirar quando estou comendo. Sinto uma espécie de falta de ar quando bloqueio a traqueo. Eu não falo e estou preso a uma cama hospitalar e uma cadeira de rodas. Vai fazer quatro anos que estou assim e esta doença não tem cura, pelo pouco que pesquisei. No dia dois de Março de 2020, eu acordei de madrugada com uma forte tontura. Minha esposa pediu para eu deitar de novo e quando acendeu a luz eu estava convulsionando. Chamaram o SAMU e não me lembro de mais nada. Lembro de voltar para casa dia 11 de Maio de 2020. Tenho flashes e sonhos nesse período. 

Ainda tive a visão seriamente danificada. Não consigo focar e a claridade me incomoda muito.

Fiquei com atendimento de Home Care vinte e quatro horas por dia, sete dias na semana.

Mas lembro que minha cunhada Marly ajudou a cuidar de mim. Depois fiquei sabendo que ela ficou três meses aqui.

Minha esposa falou que a enfermeira tinha dito que eu tinha tido um AVC.

Até agora eu não sei o que aconteceu. Tinha uma forma física excelente, não fumava, bebia socialmente, não tinha diabetes ou pressão alta.

Desde então, eu sigo com essa doença. E não tem perspectiva de melhora. Escrever sobre mim também é uma forma de ajudar a enfrentar esta situação.

Com a oferta, dos meus primos de São Paulo, de computador, mouse e programas especiais estou conseguindo usar o computador somente com o polegar.

Antes do computador e até hoje, eu utilizo uma tabela alfabética para poder me comunicar. A tabela consiste em cinco linhas, sendo a primeira coluna de vogais. Meus familiares e alguns enfermeiros sabem decor. Eu escolho cada letra da palavra ou frase erguendo o supercílio e a cabeça. O computador também me dá uma tabela parecida. Porém, nesta tabela, eu uso caracteres especiais como ponto, vírgula e espaço. 

A tabela é mais ou  menos assim:

A, b, c, d

E, f, g,h

I, j, k, l, m, n

O, p, q, r, s, t

U, v, x, y, w ,z

Um exemplo de tabela parecida com a que eu uso

Aprendendo as primeiras letras de cada linha o resto, é só seguir o alfabeto.

Eu consigo mexer um pouco a boca, assim, algumas pessoas conseguem fazer leitura labial comigo o que diminui o estresse de usar a tabela.

Hoje eu estou 100% dependente. Sempre preciso de alguém pra fazer alguma coisa. Essa dependência me deixa extremamente triste porque nunca dependi de ninguém pra nada. Lembro uma vez que mandei as meninas aos EUA sozinhas no aniversário de quinze anos delas. No voo de volta não teria voo disponível de noite para Curitiba. Em questão de minutos, eu estava no aeroporto do Rio de Janeiro pra ficar com elas.

Sem falar que eu fui para os Eua e fiquei quase seis anos lá. Conte também o dia que fui pegar o visto em SP. Lembro até hoje, eu aguardando o ônibus,de noite, para ir a SP.

Teve uma vez  que eu fui roubado, de madrugada, no centro de Curitiba. Quebraram o vidro do carro e levaram meu pandeiro, jaqueta e material do meu terceirão de dentro do carro que havia estacionado na rua. Não aceitei aquela situação e fui atrás pegar minhas coisas de volta. 

Peguei meu pandeiro em uma roda de samba, em uma praça. Depois fui pegar o resto. 

Minha casa tem dois andares e prepararam a suíte de cima para eu ficar. Quando eu precisava sair, era montado um arsenal para me levar para baixo. Ora na cadeira, ora numa espécie de lona, que eu achava mais confortável, ora pelo braço, um agarrando pelo tronco, por baixo das axilas, outro pelas pernas. Assim, me desciam sufocado pela escada pois minha traqueo era pressionada impossibilitando a passagem de ar. Depois de chegar no andar térreo, meus 85 quilos eram jogados no sofá como um bicho morto seguido por respirações ofegantes de quem me conduzia pela escada. Eu sempre ficava em posição ruim, sem poder falar ou me mover para me ajeitar. Isso era toda vez que eu saía. Lembro uma vez que minha cunhada Sirlene veio nos visitar e viu esta cena. Ela soltou um comentário:’Que situação!’ Teve uma vez que decidiram que eu deveria passar o ano novo na casa dos meus pais, mas não tinha ninguém para ajudar meu irmão a me levar para baixo. Um dos meus genros estava em casa e perguntaram se ele podia ajudar e também perguntaram a mim se ele poderia ajudar pois não nos conhecíamos. Eu aceitei pois já tinha prometido que ia sair. Pegaram a lona, chamaram ele, em meio as piadinhas do nosso reconhecimento ,fui colocado na lona e conduzido ao andar térreo feito bicho. Foi assim que conheci um dos meus genros. Meu irmão, Juninho, estava sempre junto.



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